Os Deuses da AR
Honrosa celebração do 25 de Abril onde se acenderam velas a Deus e ao Diabo. O povo, como sempre, foi descartado. Perdeu-se a sua opinião, a sua voz, a sua Liberdade.
As coisas são sempre assim, começando pela contagem de votos de cada vez que corremos para as urnas, a terminar nas petições públicas (que só têm resultado quando os deuses permitem). O governo transformou-se num panteão de deuses, a quem o povo faz as suas súplicas e eles, na sua benevolência podem decidir, ou não, atender às "orações" da nação.
Assisti a alguns dos comentários realizados por aqueles que ocupam uma cadeira na AR (fora de horas, é claro, pois decidi não contribuir para o índice de audiências da celebração com a qual discordei desde o início). Tive a oportunidade de ver um "debate" entre partidos, ou uma defesa ideológica (como preferirem chamar) em plena comemoração do dia da Liberdade, que ficou esquecida, algures, no meio de tanta ideologia partidária.
E assim decorreram as comemorações do 25 de Abril, sem que este fosse falado, sem que a Liberdade fosse assinalada, porque de facto, não era isso que estava a ser discutido, naquele dia, na Assembleia da República.
Tentar unir um povo desrespeitando os ideais da Liberdade numa altura de confinamento social é simplesmente um contrassenso!
A Liberdade nunca é esquecida, não é uma cerimónia em plena pandemia que respeita a sua memória, muito pelo contrário...
Já que aconteceu, pois os "deuses" assim o quiseram, deveriam ser coerentes na sua posição e ao menos, falavam de Abril, em vez de "se dar na cabeça" de quem foi contra (e refiro-me ao povo, não a nenhum deputado em particular). Em vez disso, foi discutida a legitimidade de se realizar ou não, a cerimónia comemorativa do quadragésimo sexto aniversário da Revolução dos Cravos...
Celebrou-se qualquer coisa, ou pelo menos foi o anunciado que se iria celebrar porém, não descobri o que foi pois o que vi cheirou-me a tanta coisa diferente, porém a nada que se assemelhe à dita Liberdade. Ignora-se a Liberdade, em pleno 25 de Abril em "prol" de lições de moral e moralismos, pois a AR, como panteão, revela-se imune à pandemia.
Muitos de nós consideraram esta cerimónia uma afronta à Liberdade numa altura em que somos obrigados a estar em casa! Muitos de nós assinamos uma petição que apenas serviu para "levarmos um raspanete" do PR em pleno dia de Liberdade, e como meninos mal comportados, ainda somos "chamados à atenção" por semear a discórdia entre o brando e pacato, povo português.
Também, muitos de vós, totalmente apologistas das celebrações do 25 de Abril em plena pandemia, rapidamente saíram de arma em punho a apelidar os que estão contra à celebração de uma liberdade inexistente, de seres fascistas e extremistas, porém, esta questão é muito mais do que uma ideologia política de esquerda ou de direita. Muito mais do que a cor de um partido. Muito mais do que a Liberdade e a Censura, é uma questão de bom senso, pois a celebração da Liberdade (em forma de ajuntamento) com o pânico do Covid espalhado pelas ruas, parece-me tudo menos uma célere recordação de há 46 anos atrás...
Dadas as forças das circunstâncias, temos um isolamento social imposto, pois não posso ir visitar a minha família, mas poderia, se ela morasse na assembleia, se eu fosse deputada...
Se o 25 de Abril fosse efectivamente respeitado pelos ideais que o originaram, coisa que o país, infelizmente, muito celebra mas de pouco se lembra...
No sábado passado, enquanto decorriam as celebrações da dita "Liberdade", muitos foram os "aconselhados a irem para casa" pois são as direcções que as forças de segurança têm, para que a ordem seja cumprida! Se fosse deputada poderia celebrar o 25 de Abril na assembleia, se calhar até podia almoçar em casa de um familiar, se ele estivesse na sala e eu na cozinha, teríamos mais de 2 metros e celebraria assim, a afamada "Liberdade". Se estivesse na AR subiria à categoria dos deuses, logo seria imune, logo não necessitaria de andar "mascarada" como diz um certo e ilustre senhor...
Houveram protestos silenciosos, pacíficos, que assentavam exclusivamente na exposição de um cartaz, pois vivemos em Liberdade... Mas afinal, nem um cartaz é possível de ser deixado à porta da AR em pleno 25 de Abril, pois vai contra o que foi instituído pelos deuses do panteão nacional, porque pode ser um problema de saúde pública (imagine-se só, todo aquele papel infectado exposto na via pública) a desafiar a benevolência dos governantes do nosso país...
Claro que nada disto passou "para fora". Não vimos imagens nos ditos canais "livres" da nossa condicionada e censurada televisão nacional. Nada foi referido, pois claro que não, mas graças à Liberdade existe internet, existem canais de notícias não corrompidos pelo poder dos deuses, e pelo menos esses expõem o controlo da ditadura em que vivemos, à qual os deuses, graciosamente apelidam de democracia.
Enquanto cidadã, perdi todo e qualquer respeito que pudesse ter pelo governo, pela direcção da caravela portuguesa, que é suprimida da sua liberdade, a cada dia que passa. Quem me conhece sabe que não concordo com nenhuma das ideologias políticas vigentes porém neste momento cada vez menos coisas me fazem sentido, ainda menos sentido, do que faziam até então.
Comemorou-se qualquer coisa à qual se evocou o 25 de Abril de 1974. Fomos confinados para que o estado não entrasse em colapso. Fomos impedidos de abraçar, de beijar, de estar, de amar, mas foi comemorada uma liberdade que existe na cabeça de alguns, dos deuses que não têm de decidir qual das contas vão pagar, pois chega para tudo. Os deuses que até no dia 25 de Abril facturaram, quando grande parte do país não factura há mais de quarenta dias... Os deuses que em tom de benevolência oferecem endividamento ao povo, soluções que criam mais problemas, e sermões que provocam indignação naqueles que foram os primeiros a aderir ao pedido tão gentilmente imposto pelo governo. Tudo é voluntário, mas tudo é controlado, é este o conceito de Liberdade que temos...
A maioria de nós aderiu ao isolamento voluntário pois somos cidadãos responsáveis (ao que parece, até mais do que alguns governantes e "pseudo" representantes do povo).
Sou pelo 25 de Abril, nasci numa falsa Liberdade, porém não quero imaginar o que seria viver em censura. Nasci neste estado democrático que de democracia tem muito pouco... Tudo se faz em nome da Liberdade e claro, do dinheiro, que recheia os bolsos cheios, mais uma vez envergonhando Abril, por na nossa velha nação, a corrupção impera a cada dia, todos os dias, e o Estado, o Estado de Liberdade é o primeiro, a dar o exemplo...
No passado sábado, alguns cantaram à janela, e muitos calaram, a ausência de sentimento de Liberdade. Não foi calado o 25 de Abril, foi calado o povo, foi calada a nação, foi descredibilizado tudo o que ameaçava o sistema, para não variar, pois por muito que as moscas mudem, há coisas que se mantêm sempre...
O povo que é calado e até mesmo repreendido em jeito de "apelo ao bom senso" foi esse povo, que por consciência começou por ver impedida a sua Liberdade, e por obrigação (disfarçada de dever) foi forçado a perder essa mesma Liberdade, que nos foi vendida como uma acção voluntária e afinal transformou-se numa "quase lei" que nos confinou a casa. É graças a esse povo que a República das Bananas continua de pé!
É ao povo que é devido o respeito!
É o povo que faz de Portugal aquilo que ele!
Quanto ao Estado, é onde a corrupção começa pois é ele o primeiro a exemplificar como se faz mal. É a soberania do Estado que tem profissionais durante anos a fio, a falsos recibos verdes! É o Estado que impede o exercício de determinadas profissões, que sem esta prestação, não têm como facturar. É esse mesmo Estado, que exige as contribuições independentemente de termos ou não um plano B que nos acuda, porque com o estado, apenas podemos contar, para se celebrar a "Liberdade"...
O estado que explora os contribuintes e que dentro desta exploração constrói uma economia baseada no turismo, baseada no exterior, e agora, fica com as calças nas mãos pois não há visitantes, pois não pode haver, pois estamos a atravessar uma pandemia...
O mesmo estado que gasta rios de dinheiro em candeeiros e carpetes para as instituições públicas e borrifa-se nos funcionários precários que vai mantendo ao longo dos anos com jogadas e joguetes que tão bem indicam o caminho aos privados, para que façam o mesmo, mas bem feito...
Aqueles belos cravos cor de sangue, que relembram a luta dos capitães de Abril. Tão bonitos e radiantes, que parecem ter vindo do céu...
Como apareceram aquelas belas flores em casa das pessoas que foram filmadas pelas câmaras da comunicação social?
Continuamos a ser um povo pacato, tradicionalista, compreensivo e sentimentalista. Somos um país de brandos costumes, do povo ao governo, e todos juntos vamos esquecendo o defendido pelos ideais de Abril...
E assim se navega em Portugal, onde a Liberdade foi esquecida, em pleno dia de aniversário...
Tanto defenderam o quão desrespeitoso seria não fazer a cerimónia alusiva ao 25 de Abril e curiosamente esqueceram-se de tudo o que ele significa... Dedicou-se uma manhã ao "devia ou não devia ter sido" e a homenagem, foi perdida no meio dos Egos, dos moralismos, das lições de bom comportamento, das filosofias e repreendas. Os deuses estavam indignados, tal como parte do povo, no entanto, eles são deuses e o povo, é apenas o povo...
"Grândola Vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti ó Cidade
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto a igualdade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti ó Cidade
Dentro de ti ó Cidade, oh, oh, oh
Juro em ter a companheira
A sombra de uma azinheira
Que já não sabia a idade"
(José Afonso)
Basta ler a letra e ver, como quase tudo está ao contrário:
Podemos medir a fraternidade pela corrida ao papel higiénico, às máscaras e ao álcool. A voz do povo é calada em pleno 25 de Abril, onde o povo nada pode, nada manda, e nada consegue fazer. Em cada esquina um amigo (depende da sorte que tenhas e se há álcool para toda a gente...). Em cada rosto igualdade (ao nível em que a corrupção está neste país é o que temos menos, porém a tendência está a caminhar para que fiquemos quase todos em pé de igualdade, desempregados, confinados e entregues a nós próprios. Desde que não falte para os impostos não tem problema, para esses é que não pode faltar). Valha-nos a sombra da azinheira que já não sabia a idade...
Tanta treta, tanta trapalhada, tanto se falou e se apregoou. Em tom solene deu-se um raspanete à discordância das celebrações e esqueceu-se o principal. Esqueceu-se o 25 de Abril, esqueceu-se a Liberdade...
Nada faz com que consigamos aprender, algo tão simples, como o respeito, por nós e pelos outros. Enquanto nos governarmos com dois pesos e duas medidas, nunca seremos realmente livres. Temos as leis para os deuses e as leis para os mortais, por isso, não podemos falar, verdadeiramente em Liberdade.
Liberdade apenas existe onde há amor e para este nascer é necessário que o terreno esteja limpo, fértil, sólido e receptivo ao que possa, de bom nele, crescer.
Ainda temos muito que aprender, muito que caminhar e grandes prioridades a inverter, mais do mesmo, ano após ano em que se embandeira as celebrações da Liberdade, como se fosse real, como se fosse disso, que a sociedade se tratasse...
Nada do que tens é realmente teu, nada do que compras te pertence. Se ficarmos algum tempo sem "cumprir com as obrigações" realmente veremos, em que raio de Liberdade é que vivemos...

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